Santo Abraão, Eremita
(† 366)
Embora dos tempos antigos, é a vida de Santo Abraão uma das mais edificantes e comoventes da Igreja. Mesopotâmia é a terra onde nasceu Abraão. Pais religiosos e nobres deram ao menino uma educação ótima. Tendo chegado à idade própria, o pai fez-lhe a proposta de um casamento, com uma donzela distintíssima, por ele mesmo escolhida. A resolução e ao seu voto de permanecer celibatário, os pais se opuseram e assim, para não os contrariar, Abraão contraiu matrimônio, abraçando um estado que não lhe correspondia à índole.
No dia do casamento declarou à jovem esposa ser sua vontade permanecer no estado de perfeita castidade. Levado por este desejo, abandonou a mulher e retirou-se da sociedade. Este passo causou grande dor e indignação no seio da família, que tudo fez para descobrir o paradeiro do Santo. Depois de uma busca de dezessete dias, foi encontrado numa cela de eremita, perto de Edessa. Em vão tentaram persuadi-lo de que deveria ficar com a esposa: Abraão permaneceu inacessível às argumentações todas, pois era sua vontade não ter comunicação alguma com o mundo. Doze anos viveu na sua cela, dedicando-se unicamente a obras de piedade e penitência, quando recebeu notícia da morte dos pais, Grande era a herança que lhe cabia. Para fugir do menor apego às coisas do mundo, pediu a um fiel amigo que fizesse distribuição de todos os seus bens entre os pobres e necessitados.
Perto de Edessa havia uma vila, cujos habitantes estavam entregues à mais grossa idolatria. Todos os esforços do Bispo de Edessa para converter aquela gente, eram baldados. Dirigindo-se afinal a Abraão, o santo eremita com orações, prédicas e penitências de três anos, conseguiu que os idólatras largassem esse culto e se convertessem ao cristianismo.
Abraão tinha um irmão no século, que, morrendo, deixou uma filha muito jovem, de nome Maria. Abraão, no intuito de dispensar-lhe uma educação ótima, chamou-a ao lugar onde ele morava, e instruiu-a nas ciências que lhe eram úteis e principalmente na ciência de Deus. Rápidos eram os progressos que a donzela fazia, e em pouco tempo se tornou modelo perfeito de virtude e penitência. Satanás, porém, espreitando ocasião propícia para preparar a queda da jovem, achou meio de perdê-la. Para este fim se serviu de um eremita perverso e ímpio, que costumava visitar Abraão, sob o pretexto de consultá-lo. Este infeliz, tomado de paixão pela jovem, armou-lhe laços, contra a virtude e fê-la cair. Maria, refletindo no que fizera, encheu-se de horror, mas em vez de confiadamente se dirigir a Deus e implorar-lhe perdão, entregou-se a demasiada tristeza, que a levou ao desespero. Saiu da companhia do tio para a cidade próxima, onde se desmandou completamente. Abraão, ignorando o que havia acontecido à sobrinha, chorava amargamente a desaparição da mesma, pedindo a Deus que se compadecesse dela.
Quando, dois anos depois, chegou a saber que vida Maria levava, dirigiu-se à casa da mesma, e pediu-lhe hospedagem. Como se disfarçara de viajante, a sobrinha não o reconheceu. Quando, porém, estavam à mesa, Abraão deu-se a conhecer e, com a voz entrecortada de soluços, disse à sobrinha: "Maria, minha filha, ainda me conheces? Onde está o vestido angelical de tua virtude? Onde estão as lágrimas, que derramaste na presença de Deus? Onde as penitências, que eram tuas delícias? Como, filhinha minha, chegaste a cair no abismo? Porque motivo me ocultaste a tua queda? Se soubesse o que te acontecera, ter-te-ia reconduzido ao caminho de Deus".
As palavras, as lágrimas de Abraão, impressionaram vivamente a Maria. Coberta de vergonha, cheia de arrependimento, permaneceu imóvel, qual uma estátua. Vendo isto, Abraão, com as expressões mais ternas, procurou erguer o espírito da jovem. "Não te deixes levar pelo desespero, minha querida Filha! Todos os teus pecados eu os tomo sobre mim, tem confiança e volta comigo! Meu fiel amigo Efrem está inconsolável por tua causa e incessantemente reza por ti. Afasta de ti a desconfiança e o desânimo; todos nós somos pecadores, todos podemos cair, pois grande é a nossa fraqueza. Pede a Deus perdão: Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta". Maria, animada por estas palavras, prometeu ao tio obedecer-lhe em tudo e com ele voltou. Quinze anos viveu ainda na solidão, entregue a obras de penitência. Dia e noite chorava sua infidelidade. Deus lhe perdoou e glorificou-a com o dom de milagres. Teve morte edificantíssima. Santo Efrém, que a viu morta, afirma que o rosto da penintente tinha esplendores sobrenaturais, e que não havia dúvida que um coro de Anjos levara ao céu aquela alma bendita.
Cinco anos depois, morreu também Abraão. Sabendo-o doente, de todos os lados afluíam as multidões, para receber a bênção do santo servo de Deus. O túmulo tornou- se glorioso. Só pelo contato com as roupas de Abraão, muitos doentes readquiriram a saúde. Assim escreve Santo Efrém, que foi testemunha ocular de todas essas coisas.
Santo Abraão - De Santo Efrém, contemporâneo e amigo do santo. Raess e Weiss IV 41.
Reflexões
Tolos aqueles que se metem no ermo; tolos os que fogem da sociedade; tolos os que outra coisa não querem fazer, senão rezar e penitenciar-se: Assim o mundo chama os que se separam dele, que não o acompanham nas vaidades, loucuras e empreendimentos. Jesus Cristo, na face, na apreciação do mundo, sempre será um louco; loucos pelo contrário, são os que seguem o mundo e se declaram seus discípulos. Louco não é Cristo, nem são loucos seus amigos e discípulos, pois, sendo a felicidade a aspiração suprema do homem, são eles que estão no caminho certo de encontrá-la. Só quem não conhece, quem ainda não experimentou a doçura que há, no convívio com Cristo, longe do mundo; só quem não experimentou ainda o consolo que sente a alma, depois de se ter entregue a obras de penitência e mortificação; só quem não saboreou a delícia que há, na meditação da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo e nos íntimos colóquios do divino Esposo com a alma que o procura, pode chamar de loucura o serviço de Deus na solidão, no claustro, longe do mundo. Verdadeiros sábios eram os eremitas, porque compreendiam onde se encontrava a felicidade e, emancipando-se do espírito do mundo, diziam-lhe adeus e, como Santo Abraão, armavam sua tenda no deserto. Felicidade maior não pode haver neste mundo, do que aquela que sente o pecador, depois de uma confissão bem-feita, depois de ter decidido abandonar as sendas do mundo, que são as do pecado, do desassossego, da infelicidade. "Como me senti feliz, quando pude atirar para longe as delícias enganadoras e prazeres vãos do mundo, entretanto a separação destas coisas parecia-me antes impossível". (Santo Agostinho).
Santos, cuja memória é celebrada hoje
Na Ásia Menor a morte de Arquipo, companheiro de S. Paulo Apóstolo.
Na Síria, os santos Mártires Paulo, Cirio e Eugênio.
No mesmo dia a memória de Santa Fotina da Samaria e seus filhos José e Vitor, mártires; o capitão Sebastião que sofreu o martírio junto com Anatólio, Fócio, Fotis, Parascese e Círiaca.
Em Amisis, na Paflagônia as santas mártires: Alexandra, Cláudia, Eufrásia, Matrona, Juliana Eufémia, Teodósia e Derfuta.
Referência: Na luz Perpétua, 5ª. ed., Pe. João Batista Lehmann, Editora Lar Católico – Juiz de Fora – Minas Gerais, 1959.
Comemoração: 20 de março.
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