Das ignomínias que Jesus Cristo sofreu na sua Paixão

Das ignomínias que Jesus Cristo sofreu na sua Paixão

Das ignomínias que Jesus Cristo sofreu na sua Paixão

Dabit percutienti se maxillam, saturabitur opprobriis – “Oferecerá a face ao que o ferir, fartar-se-á de opróbrios” (Lm 3, 30)

Sumário. Ah, a quantas ignomínias se submeteu o nosso pobre Jesus no tempo da sua Paixão! Foi traído por um dos seus discípulos, renegado por outro e abandonado por todos. Foi escarnecido como mentecapto, posposto a Barrabás, açoitado como um escravo, tratado como rei de teatro, condenado a morrer crucificado entre dois ladrões. E para que? Para nos provar o seu amor, e ensinar-nos pelo seu exemplo a sofrer com paciência os desprezos e injúrias. E todavia ficamos sempre orgulhosos e amamos tão pouco a Jesus Cristo!

I. As mais graves injúrias que sofreu Jesus Cristo são as que lhe foram feitas no dia da sua morte. Sofreu então primeiro o opróbio de se ver abandonado por todos os seus amados discípulos, dos quais um o traiu, outro o renegou e quando Jesus foi preso no horto, todos fugiram e o abandonaram. Em seguida, os judeus apresentaram-no a Pilatos como um malfeitor digno de ser crucificado a um simples pedido deles. Por Herodes e toda a sua corte foi escarnecido como louco: Sprevit illum Herodes cum exercitu suo (1).

Depois foi posposto a Barrabás, um ladrão e homicida; pois, à pergunta de Pilatos a quem devia soltar, os judeus responderam gritando: Non hunc, sed Barabbam (2) — “Não queremos solto este, mas Barrabás”. Foi flagelado como escravo, porque esta pena se infligia só aos escravos. Foi burlado como rei de teatro; porquanto, depois de por escárnio O haverem coroado de espinhos, saudaram-No como rei, e, escarrando-Lhe no rosto, diziam: Ave, rex Iudaeorum (3) — “Ave, rei dos judeus”. Depois foi condenado a morrer entre dois ladrões conforme já fora predito por Isaias: Et cum sceleratis reputatus est (4) – “Ele foi posto no número dos celerados”.

Finalmente morreu crucificado, quer dizer, da morte mais ignominiosa à qual naqueles tempos eram condenados os criminosos, pelo que (como está escrito no livro Deuteronômio (5)) os Hebreus consideravam o crucificado como maldito de Deus e dos homens. É por isso que São Paulo escreve:

“Cristo nos remiu da maldição da lei, fazendo-se por nós maldição, porque está escrito: Maldito todo aquele que é suspenso no lenho” (6).

— E nota o que em outro lugar acrescenta o Apóstolo: não foi por necessidade, mas por livre escolha que o Senhor teve uma vida tão cheia de tribulações e uma morte acompanhada de tantas ignominias, renunciando a uma vida suntuosa e deliciosa, de que nesta terra podia gozar (7). Oh, diz Santo Agostinho, se esta medicina não basta para curar o nosso orgulho, não sei o que o possa curar: Quid eam curet nescio.

II. Em Jesus Cristo cumpriu-se à risca a profecia de Jeremias que havia de viver e de morrer farto de opróbrios: Dabit percutienti se maxillam, saturabitur opprobriis. Por isso exclama São Bernardo:

“Ó Deus altíssimo, feito o último dos homens! Ó Deus excelso, feito desprezível! Ó glória dos anjos, feito opróbrio dos homens! E quem tem feito isto? É o amor — Quis hoc fecit? Amor

Deus tem feito tudo isto para nos mostrar quanto nos ama, e para nos ensinar pelo seu exemplo a sofrer em paz o desprezo e as injúrias.

Quando formos injuriados, lancemos um olhar sobre a Paixão do Redentor. — Assim fazia Eleazaro, que interrogado por sua esposa, como fazia ele para suportar com tanta resignação as injúrias que lhe faziam, respondeu: “Eu volto os meus olhos para Jesus desprezado, e digo que as afrontas que sofro nada são em comparação daquelas que Ele, sendo como era meu Deus, quis sofrer por mim.”

Ó meu desprezado Senhor! Pelos merecimentos das afrontas que tendes suportado por mim, dai-me graça para sofrer com paciência e com alegria as afrontas e as injúrias que me sejam feitas. Proponho daqui em diante não me entregar mais ao ressentimento; dai-me força para o executar e livrai-me do inferno.

Ó meu Jesus, não permitais que, remido por Vós com tanto sofrimento e com tanto amor, venha eu a condenar-me e a cair no inferno, onde deveria odiar-Vos e amaldiçoar o amor que me haveis mostrado. Muitas vezes tenho merecido o inferno; pois, ao passo que Vós nada mais podíeis fazer para me obrigar a amar-Vos, eu tudo tenho feito para Vos obrigar a castigar-me. Mas visto que na vossa bondade me esperastes e ainda continuais a pedir-me que Vos ame, quero amar-Vos, e quero amar-Vos de todo o meu coração e sem reserva. — Ó grande Mãe de Deus, Maria, ajudai-me pelas vossas orações e fazei que eu ame as humilhações e os desprezos.

Referências:

(1) Lc 23, 11 (2) Jo 18, 40 (3) Mt 27, 29 (4) Is 53, 12 (5) Dt 21, 23 (6) Gl 3, 13 (7) Hb 12, 2

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 294-295)

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