
Festa de Santa Maria Madalena Penitente
Remittuntur ei peccata multa, quoniam dilexit multum — “Perdoados lhe são muitos pecados, porque muito amou” (Lc 7, 47)
Sumário. Que belo modelo de penitência nos propõe a Igreja na pessoa de Madalena! Ela obedece prontamente ao convite de Deus, e, triunfando de todo o respeito humano, vai logo prostrar-se aos pés de Jesus Cristo. Uma vez absolvida de seus pecados, não recai mais; e, correspondendo fielmente à graça, chega ao auge da perfeição. Não desanimemos, pois, seja qual for o nosso estado, contanto que, depois de termos imitado Madalena em seus desvarios, a imitemos também na sua penitência.
I. Considera o belo modelo de penitência que o Senhor te oferece hoje na pessoa de Santa Maria Madalena. Ao invés de tantos pecadores, que sob mil pretextos, adiam sempre a sua conversão e por isso nunca se convertem, ela obedece logo ao convite de Deus. Ut cognovit, quod accubuisset (1). Logo que Maria soube que Jesus Cristo estava à mesa em casa do fariseu, levada sobre as asas do amor, foi prostrar-se-lhe aos pés, calcando todo o respeito humano, e pouco se lhe dando de se tornar objeto de escárnio para a cidade, que a devia julgar louca ao vê-la fazer penitência no meio de um solene festim.
Observai, diz Santo Agostinho, que Madalena não se chega à cabeça, mas aos pés de Jesus, pois tendo andado até então no caminho do vício, procurou reaviar-se para andar no caminho da virtude. Mais, vendo-se tão asquerosa pelos seus pecados impuros, nem sequer se atreveu a colocar-se diante do Senhor, mas deixou-se ficar atrás: Stans retro, secus pedes eius — “Pondo-se, por detrás, aos seus pés”. E, como nota São Gregório, ali não fez outra coisa senão oferecer a Deus aquilo mesmo de que outrora tinha feito tão torpe abuso; serviu-se para sua emenda daquilo mesmo de que se servira para a sua perdição.
Lacrimis coepit rigare pedes eius — Os seus olhos serviram-lhe para olhar objetos mundanos, e agora castiga-os com lágrimas de penitência. Et capillis capitis sui tergebat — Servira-se do cabelo para adorno de sedução, agora enxuga com eles os pés do Salvador, regados com as suas lágrimas. Et osculabatur pedes eius — Seus lábios proferiram muitas palavras indecentes; agora não se cansa de beijar os pés do Senhor. Et unguento ungebat — Antes servira-se dos aromas para o vício, agora serve-se deles para embalsamar o corpo de Jesus Cristo.
Numa palavra, resume Santo Agostinho, Madalena é um ídolo do mundo transformado em vítima consagrada ao Deus verdadeiro. Contempla este modelo perfeito de penitência; regozija-te com a santa pecadora, e dá graças a Jesus Cristo por ter glorificado nela a sua misericórdia. Depois, lançando um olhar sobre ti mesmo, vê o que falta à tua emenda para imitares à de Madalena.
II. Considera qual foi a vida de Madalena depois da sua conversão. Consagrou-se inteiramente ao seguimento do Redentor, e juntamente com as outras santas mulheres assistiu-lhe com as suas posses, nas necessidades temporais, quando Jesus caminhava por cidades e aldeias, pregando e anunciando o Reino de Deus (2). O Senhor amou-a a tal ponto, que várias vezes quis honrar a família com a sua presença; defendeu-a das observações de Marta, que a acusava de não cuidar bastante das ocupações domésticas; e, afinal, chegou a ressuscitar-lhe o irmão Lázaro, já falecido havia quatro dias e em estado de putrefação.
No tempo da Paixão, Madalena, mais generosa do que os apóstolos, acompanhou Jesus Cristo até ao Calvário, e depois da sua morte foi muito de madrugada ao sepulcro para lhe embalsamar o corpo. A fim de lhe retribuir estas provas de afeto, Jesus, apenas ressuscitado, quis logo aparecer-lhe e fazê-la mensageira junto aos apóstolos da Boa Nova da sua Ressurreição (3). Finalmente, depois da ascensão de Jesus, Madalena, guiada pela Providência divina, arribou a Marselha, onde, retirada numa gruta, viveu trinta anos em perfeita solidão e aspérrima penitência, mas provando cada dia um antegosto do paraíso (4).
Eis aí, meu irmão, a que alta santidade chegou esta grande pecadora com o auxílio de Deus. Se no passado também tu tens pecado, não desanimes; contanto que, depois de teres imitado a Madalena nos seus desvarios, procures imitá-la também na sua penitência. Com este fim, recomenda-te ao Senhor pelos merecimentos da santa. Rogo-Vos, ó Senhor, “ajudai-me com a vossa graça, pela intercessão de Santa Maria Madalena, pois rogado por ela ressuscitastes vivo a seu irmão Lázaro, defunto já de quatro dias” (4). Fazei-o pelo amor da vossa amada Mãe.
Referências: (1) Lc 7, 37. (2) Lc 8, 1. (3) Jo 20, 17. (4) Lect. Brev. Rom. (5) Or. festi.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 364-367)
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A paz que Deus faz gozar aos bons religiosos
Sedebit populus meus in pulchritudine pacis, et in tabernaculis fiduciae, et in requie opulenta – “Assentar-se-á meu povo na formosura de paz, e nos tabernáculos da confiança, e num descanso opulento” (Is 32, 18)
Sumário. Por isso vemos que os bons religiosos, encerrados em suas celas, bem que mortificados, desprezados, pobres e enfermos, vivem mais contentes do que os grandes do mundo com todas as riquezas, pompas e prazeres que gozam. Se os homens refletissem bem nesta grande verdade, todo o mundo se tornaria um convento, todos se fariam religiosos.
I. A paz da alma é um bem que vale mais do que todos os reinos do mundo. De que serviria ter o domínio de todo o mundo sem a paz interior? É melhor ser o aldeão mais pobre do mundo e estar contente, do que ser senhor de todo o mundo e viver inquieto. -Mas, quem pode dar esta paz? O mundo? Não. A paz é um bem que só de Deus pode vir. Por isso ele mesmo se chama o Deus de toda a consolação: Deus totius consolationis (1).
Ora, se Deus é o único dispensador da paz, a quem pensamos que Deus a concederá senão àqueles que deixam tudo e se desprendem das criaturas, para se consagrarem inteiramente ao Criador? Por isso vemos que os bons religiosos, encerrados em suas celas, bem que mortificados, desprezados, pobres e enfermos, vivem mais contentes de que os grandes do mundo com todas as riquezas, pompas e prazeres que gozam.
Dizia Santa Escolástica que, se os homens conhecessem a paz que experimentam os bons religiosos, todo o mundo se tornaria um convento. E Santa Maria Magdalena de Pazzi acrescentava que todos haviam de tomar de escalada os conventos, se soubessem a paz que neles se goza. -O coração humano, criado para um bem infinito, não se pode contentar com todas as criaturas, que são bens finitos e caducos. Só Deus, que é o bem infinito, o pode contentar. Delectare in Domino, et dabit tibi petitiones cordis tui (2) – “Deleita-te no Senhor, e te outorgará as petições do teu coração”.
Não, um bom religioso, que vive unido com Deus, não tem inveja a todos os príncipes da terra, que possuem reinos, riquezas e honras. Ele dirá com São Paulino: “Tenham os ricos as suas riquezas e os reis os seus reinos; quanto a mim, meu reino e minha glória é Jesus Cristo”. Ele dirá o que dizia o Bem-aventurado Seraphim de Ascoli, leigo capuchinho, a saber, que não teria trocado um palmo do cordão por todos os reinos do mundo.
II. Oh! Que consolação, para quem deixou tudo por Deus, poder dizer com São Francisco: Deus meus et omnia – “Meu Deus e meu tudo!” e ver-se livre da escravidão do mundo, da sujeição do século e dos afetos da terra. Esta é a liberdade de que gozam os filhos de Deus, como são os bons religiosos. -É verdade que no princípio o desprendimento das conversações e dos passatempos do mundo, os exercícios da comunidade, as regras parecem espinhos; mas, depois, estes espinhos, a quem lhes sofrer com coragem e com amor as primeiras picadas, tornar-se-ão flores e delicias. Assim provará na terra aquela paz, que, como diz São Paulo, excede todos os gozos dos sentidos e todos os regalos dos festins, dos banquetes e dos prazeres do mundo: Pax Dei quae exsuperat omnem sensum (3).
Meu Senhor, meu Deus, meu amor, meu tudo, já compreendo que só Vós me podeis contentar nesta vida e na outra. Não quero, porém, amar-Vos para minha própria satisfação; quero amar-Vos para dar gosto a vosso divino Coração. Quero que minha paz, minha única satisfação em toda a minha vida, consista em unir a minha vontade com o vosso santo beneplácito, ainda que para isto me fosse preciso sofrer qualquer pena. Vós sois o meu Deus e eu sou a vossa criatura. E que coisa maior posso esperar do que dar gosto a meu Senhor, que se mostrou tão particularmente amoroso para comigo?
Vós, meu Jesus, descestes do céu à terra para levardes por meu amor uma vida pobre e mortificada; eu deixo tudo afim de viver dedicado a vosso amor; todo o meu prazer será dar-Vos prazer. Amo-Vos, meu amabilíssimo Redentor, amo-Vos com todas as minhas forças. Contanto que me concedais amar-Vos, tratai-me como quiserdes. Quero contentar-Vos quanto posso.
– Ó Maria, Mãe de meu Deus, protegei-me, fazei-me semelhante a vós, não na glória, visto que não a mereço, mas em dar gosto a Deus e em seguir a sua santa vontade, assim como vós fizestes.
Referências:
(1) 2 Cor 1, 3 (2) Sl 36, 4 (3) Fl 4, 7
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 237-240)
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