
Jesus preso à coluna e flagelado
Segunda Meditação para a Segunda-feira Santa
Tunc ergo apprehendit Pilatus Iesum et flagellavit – “Pilatos tomou então a Jesus e o mandou açoitar” (Jo 19, 1)
Sumário. Contemplemos como os algozes pegam dos açoites e a um sinal dado começam a bater por toda a parte em nosso divino Redentor. Seu corpo virginal primeiro torna-se roxo; depois começa a correr o sangue, e com tão grande abundância, que ficam manchados, não só os açoites, senão também as vestes dos algozes e a própria terra. Pelo que o Senhor ficou transfigurado como um leproso, coberto de chagas desde a cabeça até aos pés. E nós continuaremos a acariciar esta carne rebelde?
I. Vendo Pilatos que falharam os dois meios empregados para não ter que condenar ao inocente Jesus, isto é, a remessa para Herodes e a apresentação ao lado de Barrabás, toma o alvitre de lhe dar um castigo qualquer e depois mandá-Lo embora. Convoca portanto os Judeus e lhes diz:
“Apresentastes-me este homem como um agitador; não acho, porém, n’Ele culpa alguma, nem tampouco a achou Herodes. Todavia para vos contentar mandarei castigá-Lo e depois mandá-Lo-ei embora.”
Ó Deus, que injustiça clamorosa! Declara-O inocente, e depois manda-O castigar!
Mas, qual é o castigo, ó Pilatos, a que condenas este inocente? Vais condená-Lo a ser açoitado? A um inocente infliges uma pena tão cruel e tão vergonhosa? Sim, foi o que se fez. Tunc ergo apprehendit Pilatus Iesum, et flagellavit (1) — “Então Pilatos tomou a Jesus e mandou que O açoitassem.”
— Minha alma, contempla como, depois de uma ordem tão injusta, os algozes agarram furiosos o Cordeiro mansíssimo, e entre gritos e alaridos o levam ao Pretório e o prendem à coluna. E Jesus, que faz Jesus? Todo humilde e submisso, aceita por nossos pecados o tormento tão doloroso e ignominioso. Eis como os verdugos já pegam dos açoites, e ao sinal dado levantam os braços e começam a bater por toda a parte, na carne sagrada do Senhor. — Ó algozes, estais enganados, o criminoso não é Ele; fui eu que mereci esses castigos
Ó minha alma, queres ser do número daqueles que indiferentes contemplam um Deus açoitado? Considera a dor, e mais ainda o amor com que o teu dulcíssimo Senhor padece por ti tão grande suplício. Com certeza, entre os açoites Jesus pensava em ti. Se Ele tivesse sofrido por amor de ti um golpe só, já deverias estar abrasado de amor para com Jesus e dizer: “Um Deus quis ser batido por amor de mim!” Jesus porém quis, para satisfação de teus pecados, que Lhe fossem rasgadas e dilaceradas todas as carnes, segundo a profecia de Isaías: Ipse autem vulneratus est propter iniquitates nostras (2) — “Ele foi ferido pelas nossas iniquidades”
II. O corpo virginal de Jesus primeiro torna-se todo roxo; depois o sangue começa a correr por toda a parte. Ó céus! Os algozes já Lhe rasgaram a carne toda, e sem piedade continuam a bater nas feridas e a ajuntar novas dores. Assim o mais famoso de todos os homens fica tão desfigurado, que impossível é reconhecê-Lo. Numa palavra, Jesus é reduzido a um estado tão lastimável, que parece como que um leproso, coberto de chagas desde a cabeça até aos pés: Et nos putavimus eum quasi leprosum (3) — “E nós o julgamos como que um leproso”. E para que tudo isso? Para me livrar dos suplícios eternos. Desgraçado e infeliz de quem não Vos ama, ó Deus de amor!
Mas enquanto os algozes O açoitam tão cruelmente, que faz o nosso amável Salvador? Não fala, não se queixa, não geme; mas paciente oferece tudo a Deus a fim de abrandá-Lo para conosco. Sicut agnus coram tondente se, sine voce, sic non aperuit os suum (4) — “Como um cordeiro diante do que o tosquia, emudeceu, e não abriu a sua boca”
Ah, meu Jesus, Cordeiro inocente! Os bárbaros algozes Vos Tiram, já não a lã, mas, sim, a pele e a carne. É esse o batismo de sangue pelo qual suspirastes durante a vossa vida toda. Eia, minha alma, lava-te no sangue precioso de que foi embebida aquela terra ditosa. — Meu dulcíssimo Salvador, como poderei duvidar do vosso amor, vendo-Vos todo ferido e dilacerado por meu amor? Cada chaga é uma prova inegável do afeto que me tendes. Cada ferida pede-me que Vos ame. Uma só gota do vosso sangue era bastante para a minha salvação; mas Vós quereis derramá-lo todo sem reserva, a fim de que eu também me dê a Vós sem reserva. Sim, meu Jesus, sem reserva alguma me dou todo a Vós; aceitai-me e ajudai-me a ser-Vos fiel. Fazei-o pelas dores de vossa e minha querida Mãe Maria.
Referências:
(1) Jo 19, 1 (2) Is 53, 5 (3) Is 53, 4
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 398-400)
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Jesus é levado a Pilatos e a Herodes, e posposto a Barrabás
Primeira Meditação para a Segunda-feira Santa
Et vinctum adduxerunt eum, et tradiderunt Pontio Pilato praesidi – “E preso O conduziram e entregaram ao governador Pôncio Pilatos” (Mt 27, 2)
Sumário. Imaginemos ver Jesus Cristo, que em meio de uma multidão de gentalha insolente é conduzido ao tribunal de Pilatos, depois ao de Herodes e afinal novamente ao de Pilatos. Este, para livrá-Lo, apresenta-O ao povo juntamente com um ladrão e assassino; mas o povo responde: Seja livre Barrabás, e Jesus seja crucificado. Ó céus! Todas as vezes que pecamos, fizemos o mesmo, pospondo nosso Deus a um vil interesse, a um pouco de fumo, a um vil prazer.
I. Ao amanhecer, os príncipes dos sacerdotes novamente declaram Jesus réu de morte, e depois conduzem-no a Pilatos, a fim de que este O condene a morrer crucificado. Pilatos, tendo interrogado diversas vezes tanto os Judeus como nosso Salvador, reconhece que Jesus é inocente e que todas as acusações são calúnias. Sai, pois, para fora e declara que não acha em Jesus culpa alguma para condená-Lo. Vendo, porém, que os Judeus se empenhavam sumamente em fazê-Lo morrer, e ouvindo que Jesus era da Galiléia, para tirar-se dos apuros, remisit eum ad Herodem (1) — “devolveu-O a Herodes”.
Herodes ficou muito contente ao ver Jesus levado à sua presença. Esperava ver um dos muitos milagres obrados pelo Senhor e dos quais tinha ouvido falar. Interrogou-O muito, mas Jesus se calou e não lhe deu resposta alguma; castigando assim a vã curiosidade daquele insolente: At ipse nuhil illi respondebat (2). Ai da alma a qual o Senhor não fala mais.
— Meu Jesus, eu também tinha merecido este castigo, por ter resistido tantas vezes às vossas misericordiosas inspirações. Mas, meu amado Redentor, tende piedade de mim e falai-me: Loquere, Domine, quia audit servus tuus (3) — “Falai, Senhor, porque o vosso servo escuta”. Dizei-me o que desejais de mim; quero obedecer-Vos e contentar-Vos em tudo.
Herodes, vendo que Jesus não lhe respondia, desprezou-O e tratando-O como a um doido, fez escárnio d’Ele, mandando-O vestir uma túnica branca, e motejou dele com toda a sua corte, e assim desprezado e escarnecido mandou-O de novo a Pilatos. Eis que Jesus, vestido com aquele manto de escárnio, é levado pelas ruas de Jerusalém.
— Ó meu desprezado Salvador, faltava-Vos ainda esta injúria, a de ser tratado como um doido. Cristão, vede como o mundo trata a Sabedoria eterna! Feliz de quem se compraz em ser considerado pelo mundo como doido, e não quer saber outra coisa senão a Jesus crucificado, amando os sofrimentos e os desprezos! Perante Deus terá mais valor um desprezo suportado em paz por amor d’Ele, do que mil disciplinas.
II. O povo israelítico tinha direito a exigir do governador romano no grande dia da Páscoa que deixasse ir livre um dos prisioneiros. Pelo que Pilatos lhes mostrou Jesus e Barrabás, homem criminoso, dizendo: Quem vultis dimittam, vobis, Barabbam an Iesum? (4) — “Qual quereis que vos solte, Barrabás ou Jesus?” Pilatos esperava que o povo com certeza preferiria Jesus a Barrabás, um celerado, homicida e salteador, que todos deviam detestar. Mas o povo, instigado pelos príncipes da sinagoga, de repente e sem deliberar, pede Barrabás. — Pilatos, surpreso e indignado ao ver um inocente posposto a tão grande malfeitor, diz: Quid igitur faciam de Iesu? — “Que farei então de Jesus?” Todos gritam: “Seja crucificado!” Pergunta outra vez Pilatos: “Mas, que mal fez Ele?” Eles porém gritam com mais força: “Seja crucificado!” Crucifigatur!
Assim como Jesus e Barrabás foram apresentados ao povo, assim também perguntou-se ao Pai Eterno, qual Ele queria que fosse salvo, seu Filho ou o pecador. E o Pai Eterno respondeu: Morra meu Filho e seja salvo o pecador. É o que nos afirma o Apóstolo (5); é o que nos diz Jesus Cristo mesmo: Sic Deus dilexit mundum, ut Flium suum unigenitum daret (6) — “Tanto amou Deus ao mundo, que lhe deu seu Filho unigênito”. — Mas, como é que os homens correspondem a estas supremas finezas do amor?
Ai de mim, meu Senhor! Todas as vezes que cometi o pecado, fiz como os Judeus. A mim também se perguntava o que desejava: a Vós ou ao vil prazer; e respondi: Quero o prazer e pouco se me dá perder o meu Deus. É assim que falei então; mas agora estou arrependido de todo o coração, e digo que prefiro a vossa graça a todos os prazeres e tesouros do mundo. Ó Bem infinito, ó meu Jesus, amo-Vos acima de todos os outros bens; só a Vós quero e nada mais. — Ó Mãe das dores, minha Mãe Maria, impetrai-me a santa perseverança.
Referências:
(1) Lc 23, 7 (2) Lc 23, 9 (3) 1Rs 3, 10 (4) Mt 27, 21 (5) Rm 8, 32 (6) Jo 3, 16
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Desde o Primeiro Domingo do Advento até a Semana Santa Inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 395-397)
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