Meditação de 25 de agosto

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Sublimidade do Mistério da Encarnação

Sublimidade do Mistério da Encarnação

Et Verbum caro factum est, et habitavit in nobis – “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1, 14)

Sumário. A criação de mil mundos, cada qual maior e mais formoso, teria sido uma obra infinitamente inferior ao mistério da Encarnação do Verbo. Para realizar esta obra tão sublime, era precisa toda a onipotência, toda a sabedoria infinita de um Deus. Uma natureza humana devia unir-se a uma pessoa divina, e uma pessoa divina devia humilhar-se até tomar a natureza humana e tudo isto por que? Por amor a homens ingratos e rebeldes, por amor de nós, que nem sequer sabemos sofrer por amor de Jesus Cristo uma humilhação, um desprezo. I. O Senhor mandou Santo Agostinho gravar no coração de Santa Maria Madalena de Pazzi as palavras: Verbum caro factum est. Ah! Roguemos ao Senhor queira iluminar o nosso espírito e fazer-nos compreender o excesso e prodígio de amor, pelo qual o Verbo eterno, o Filho de Deus, se fez homem por nosso amor. A santa Igreja fica tomada de temor na contemplação deste grande mistério: Consideravi opera tua et expavi — “Considerei as tuas obras e fiquei tomado de temor” (1). A formação de mil mundos, mil vezes maiores e mais formosos que o nosso, teria sido obra infinitamente inferior à Encarnação. Fecit potentiam in brachio suo — “Manifestou 0 poder do seu braço” (2). Na obra da Encarnação foi precisa toda a onipotência e a sabedoria infinita de um Deus, para que a natureza humana fosse unida com uma Pessoa divina, e uma Pessoa divina tomasse a natureza humana. Desta forma Deus se fez homem e um homem foi feito Deus.

Tendo-se, pois, a divindade do Verbo unido a alma e ao corpo de Jesus Cristo, ficaram sendo divinas todas as ações do Homem-Deus: divinas as suas orações, divinos os seus sofrimentos, divinos os seus vagidos, divinas as suas lágrimas, divinos os seus passos, divinos os seus membros, divino o seu sangue, derramado para se tornar um banho salutar capaz de apagar todos os nossos pecados, e um sacrifício de valor infinito para aplacar a justiça do Pai, justamente indignada contra os homens. — Que são estes homens? Criaturas miseráveis, ingratas e rebeldes. Foi por eles todavia que um Deus se fez homem, que se sujeitou a todas as misérias humanas! E para salvar estes indignos que padeceu e morreu! Humiliavit semetipsum, factus obediens usque ad mortem, mortem aulem crucis — “Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até a morte, até a morte de cruz” (3).

Ó santa fé! Se a fé no-lo não assegurasse, quem poderia crer que um Deus de majestade infinita se tenha abaixado a fazer-se verme como nós, para nos salvar a custo de tantas dores e ignomínias, de uma morte tão cruel e vergonhosa? O gratiam, O amoris vim! Exclama São Bernardo. Ó graça tão sublime que nunca os homens poderiam ter imaginado, se Deus mesmo não a tivesse excogitado! Ó amor divino e incompreensível! Ó misericórdia, ó caridade infinita. Apesar disso os homens, vendo um Deus tão humilhado, ficam tão orgulhosos, que nem sabem sofrer por amor desse Deus uma leve injuria, uma humilhação, um desprezo!

II. Ó alma, ó corpo, ó sangue do meu Jesus, eu vos adoro e vos agradeço! Vós sois a minha esperança, o preço pago para me resgatar do inferno tantas vezes merecido pelos meus pecados. Ó meu Deus, que vida desgraçada, que desespero me caberia em sorte por toda a eternidade, se Vós, meu Redentor, não tivésseis pensado em livrar-me pelas vossas dores e morte! Mas como podem então as almas, remidas por Vós com tão grande amor, e sabendo isto, como podem viver sem Vos amar e desprezar a graça que Vós lhes alcançastes ao preço de tantos trabalhos? Eu também não sabia tudo isto? e como Vos pude então ofender, e ofender tão repetidas vezes? Mas repito-o: o vosso sangue é a minha esperança.

Ó meu Salvador, reconheço a grande injuria que Vos fiz. Antes tivesse morrido mil vezes! Oxalá Vos tivesse sempre amado! Mas graças Vos dou por me dardes ainda tempo para o fazer. Durante a vida que me resta e durante toda a eternidade, espero louvar incessantemente as vossas misericórdias para comigo. Depois dos meus pecados era digno de mais densas trevas, e Vós me comunicastes mais luzes. Merecia que me abandonásseis, e me perseguistes com mais amorosos convites. Merecia que o meu coração ficasse mais endurecido, e o tornastes enternecido e compungido. Pela vossa graça sinto grande dor das ofensas que Vos fiz; sinto um grande desejo de Vos amar; sinto-me resolvido a antes perder tudo do que a vossa amizade; sinto para convosco um tão grande amor que me faz aborrecer tudo o que Vos desagrada; e esta dor, este desejo, esta resolução e este amor, quem é que mos inspira? Sois Vós pela vossa misericórdia.

Meu Jesus, isto me é um penhor de que já me perdoastes; é um penhor de que me amais e a todo custo me quereis salvo. Vós me quereis salvo, e eu me quero salvar principalmente para Vos dar gosto. Vós me amais e eu também Vos amo. Mas amo-Vos pouco, dai-me mais amor, Vós mereceis que Vos ame mais depois de ter recebido graças mais especiais do que os outros. Sim, abrasai mais em mim o fogo do amor.

— Maria Santíssima, obtende que o amor de Jesus consuma e destrua em mim todos os afetos que não sejam para Deus. Vós atendei a todos; atendei-me também a mim. Obtende-me amor e perseverança.

Referências: (1) In Circ. Dom. resp, 6 (2) Lc 1, 51 (3) Fl 2, 8

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 410-413)

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Não se perdoa a todos igual número de pecados

Não se perdoa a todos igual número de pecados

Omnia in mensura et numero et pondere disposuisti – “Dispuseste todas as coisas com medida e conto e peso” (Sb 2, 21)

Sumário. Apesar de ser infinita a misericórdia de Deus, não perdoa todavia a todos um número igual de pecados. A um perdoa cem pecados, a outro mil; aquele outro, porém, será condenado ao inferno depois do segundo pecado. E quantos não há a quem Deus condenou logo depois do primeiro pecado? Quando, pois, o demônio nos tenta a pecar mais uma vez, digamos: Quem sabe, se depois terei tempo para confessar bem?… Quem sabe se este novo pecado não completa o número, e então serei abandonado por Deus e perdido para sempre?

I. A misericórdia de Deus é infinita; mas apesar desta misericórdia, quantos não se condenam todos os dias! Deus cura ao que tem boa vontade. Perdoa os pecados, mas não pode perdoar a vontade de pecar. A medida dos pecados que Deus quer perdoar não é igual para todos. A um perdoa Deus cem pecados, a outro mil; aquele outro, porém, será condenado ao inferno depois do segundo pecado.

Quantos não há que o Senhor condenou logo depois da primeira queda! Refere São Gregório que um menino de cinco anos foi lançado no inferno quando dizia uma blasfêmia. A Santíssima Virgem revelou à serva de Deus Benedita de Florença, que o primeiro pecado foi a condenação de uma menina de doze anos. A mesma desgraça aconteceu a um menino de oito anos, que morreu e foi condenado logo depois do primeiro pecado. Lemos no Evangelho de São Mateus, que o Senhor, achando estéril uma figueira, cujos frutos procurava colher pela primeira vez, a amaldiçoou imediatamente, e que a árvore secou.

Por acaso algum temerário se atreva a perguntar a Deus porque quer perdoar três pecados e não quatro? Neste ponto é preciso adorar os juízos divinos e dizer com o Apóstolo: “Quam incomprehensibilia sunt judicia eius, et investigabiles viae eius!” – “Quão incompreensíveis são os seus juízos, e imperscrutáveis os seus caminhos!” (1). Replica talvez o pecador obstinado: Tantas vezes ofendi a Deus, e cada vez Deus me perdoou; por isso confio em que me perdoará mais este pecado. Respondo-lhe, todavia: porque não te castigou Deus até agora, segue-se que será sempre assim? Encher-se-á a medida e então virá o castigo. “Ne dicas, peccavi, et quid accidit mihi triste?” – “Não digas”, avisa o Senhor, “tenho cometido tantos pecados e Deus nunca me castigou”; “Altissimus enim est patiens redditor” – “O Altíssimo é um juiz paciente” (2). Quer dizer que virá um dia em que pagarás tudo, e quanto maior tiver sido a misericórdia, tanto maior será o castigo.

Afirma São Crisóstomo que há mais para receiar, quando Deus atura um pecador obstinado, do que quando o castiga sem detença. Com efeito, observa São Gregório, aqueles que Deus espera com mais paciência, são castigados depois com tanto mais rigor, se permanecem na sua ingratidão. Muitas vezes acontece, acrescenta o Santo, que os que foram tolerados por mais longo tempo, morrem de improviso, sem terem tempo de se converter. Quanto mais Deus te houver favorecido com suas luzes, tanto maior será a tua obcecação e a tua obstinação no pecado.

II. É bem terrível a ameaça que o Senhor dirige aos que são surdos aos seus convites: “Quia vocavi, et renuistis … ego quoque in interitu vestro ridebo” – “Recusastes obedecer à minha voz; pois bem, eu também me rirei quando morrerdes” (3). Notem-se bem estas duas palavras: “ego quoque” (“eu também”); significam que, assim como o pecador zombou de Deus, confessando-se, prometendo e traindo-o sempre, assim o Senhor zombará dele na hora da morte. Além disso diz o Sábio: “O imprudente que recai na sua loucura, é como o cão que torna outra vez ao que tinha vomitado” (4). O que Deniz, o Cartucho, explica dizendo:

“Assim como se sente náusea e horror em presença de um cão que devora o que tinha vomitado, assim Deus detesta ao que volta a seus pecados, que na confissão tinha abominado”.

Meu Deus, eis-me aqui a vossos pés: eu sou esse animal nojento que de novo se pôs a comer os frutos que primeiro detestara. Não mereço misericórdia, Redentor meu; mas o sangue que derramastes por mim, me anima e obriga a esperar. Quantas vezes Vos ofendi, e quantas vezes me perdoastes! Prometera não Vos ofender mais, e depois voltei ao que tinha vomitado, e Vós tornastes a perdoar-me. Esperarei porventura até que me mandeis ao inferno? Ou que me entregueis ao poder de meu pecado, desgraça maior ainda do que o próprio inferno? Não, meu Deus, quero emendar-me, e para Vos ser fiel, quero depositar em Vós toda a minha confiança; nas tentações quero sempre e imediatamente recorrer a Vós.

No passado fiei-me em minhas promessas e resoluções, e descurei recomendar-me a Vós nas tentações. Daí proveio a minha ruína. De hoje em diante sereis Vós a minha esperança e a minha força, e assim poderei tudo: “Omnia possum in eo qui me confortat” – “Tudo posso naquele que me fortalece” (5). Concedei-me, pois, ó meu Jesus, pelos vossos merecimentos, a graça de me recomendar sempre a Vós e de implorar o vosso auxílio em todas as minhas necessidades. Amo-Vos, ó soberano Bem, digno de ser amado sobre todos os bens. Só a Vós quero amar, mas para isso deveis me ajudar. Vós também deveis auxiliar-me com a vossa intercessão, ó minha Mãe Maria. Guardai-me debaixo de vosso manto, e fazei que chame por vós em todas as tentações. O vosso nome será a minha defesa.

Referências:

(1) Rm 11, 33 (2) Eclo 5, 4 (3) Pv 1, 24 e 26 (4) Pv 26, 11 (5) Fl 4, 13

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo III: Desde a Décima Segunda Semana depois de Pentecostes até o fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p. 6-9)

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